Durante muito tempo da minha vida, almoços sempre foram sinônimo de reunir os amigos e a família ao redor de uma mesa. Também pudera, a família aqui é grande. Eu, meus pais e meus irmãos já ocupam uma mesa de seis lugares. Se for colocar na conta toda a família presente nos saudosos almoços de domingo na casa da minha avó Matilde, aí seria preciso alugar o salão de um restaurante para acomodar todo mundo. Sorte que na época o quintal forrado de caquinho paulista na casa da minha avó era bem grande.
(Vai, pode confessar, você já fez muito churrasco ou almoço de família rodeado por um desses da foto.)
Certa vez, num dos meus primeiros empregos aqui em São Paulo, estranhei o fato de um colega sempre querer ir almoçar sozinho. Galera em peso indo se reunir em alguma numa cantina ou PF, ele desgarrava do grupo falando “Falou, vou almoçar sozinho". Eu, espantado com aquilo, e preocupado, perguntei pra minha chefe na época se estava tudo bem, que prontamente respondeu: “ué, o que tem de errado almoçar sozinho?”.
(A visão de sua comida sendo preparada é uma das minhas favoritas do balcão)
Passados alguns anos morando aqui na capital, a rotina me empurrou para as cadeiras giratórias dos balcões dos botecos e lanchonetes, o melhor lugar para um almoço solitário e tranquilo. Se puder deixar o celular esquentando no bolso, você será agraciado com uma visão privilegiada de todo o funcionamento do estabelecimento, além de mostrar respeito àqueles que preparam a sua refeição.
Eu ainda prefiro reunir os amigos para um bom almoço, mas foi ali, antebraço no balcão (apoiar o cotovelo é falta de educação, viu?), que comecei a entender as vantagens de almoçar sozinho.
Vamos começar pela mais básica: sempre vai ter lugar pra você. Mesmo que a fila seja imensa, você sempre terá um cantinho para chamar de seu no restaurante.
A outra vantagem é ter tempo de degustar o seu pedido com calma, pedir um repeteco, um refri e uma sobremesa sem aquele comentário que surge do nada “noooossssaaaa, tá com fome hoje, hein?”.
Sozinho, você pode simplesmente andar pelo bairro, bater o olho em um novo restaurante, e ir lá sem precisar se preocupar em convencer os amigos.
(Essa foto da Priscila Delboni resume bem o que é ficar tranquilo no quintal do MCB)
Uma extravagância que fazia com certa frequência, era ir almoçar no restaurante “Capim Santo”, ali no Museu da Casa Brasileira. Aproveitava cada minuto das duas horas de almoço vendo alguma exposição, e depois ia pra alguma mesa pequena nos jardins da casa.
Agora, passados dois anos dessa pandemia, a galera tá cada vez mais vacinada e segura em voltar a se reencontrar. Mas, se esse esquema híbrido de trabalho presencial e remoto agradam àqueles que gostam de se reunir num restaurante, também causam um certo pânico em quem ainda não quer colocar a vacina à prova.
(Viveiro Manequinho Lopes: um lugar gostoso, refrescante e silencioso)
A minha dica para o time solitário é explorar - e curtir - os arredores. Foi numa pedalada matinal até o trabalho, que descobri um cantinho seguro no Parque do Ibirapuera: a fonte do Viveiro Manequinho Lopes. Ali é sempre um refúgio para beber uma água de côco, comer mais alguma coisa e recuperar as energias antes de encarar os 10 quilômetros restantes até a firma.
Já nas minhas duas idas semanais ao escritório da firma, precisei me inspirar fortemente nos dizeres de Diógenes Moura, em sua excelente entrevista para o Paulicéia, da Gaía, e encontrar uma beleza e aconchego em meio a dois espigões de vidro espelhado, para um almoço sem preocupações.
(As mesinhas externas têm sido a minha salvação para almoçar em paz)
A cafonice espelhada foi ligeiramente temperada com um belo jardim verde no andar térreo, repleto de árvores e uma unidade gigante do Starbucks. Enquanto ainda não consigo ir até o Parque do Povo com a minha marmita, dou um rolê pelos arredores, pego uma quentinha e fico em uma das mesas da parte externa da cafeteria, almoçando tranquilamente.
Se o ato de ir almoçar sozinho já era bom antigamente, agora virou uma mão na roda. Especialmente se você quer colocar a leitura em dia.
Foi assim que devorei o livro “Ingredientes para uma confeitaria brasileira”, da Joyce Galvão entre uma garfada e outra. Um relato com muita sustança sobre os ingredientes brasileiros na confeitaria.
E o que dizer de quando, desavisado, fui dar um gole numa água com gás enquanto lia “Um breve história da bebedeira”, de Mark Forsyth, e me engasguei te tanto rir que quase tive que ser socorrido pelas atendentes da cafeteria. Aliás, taí um livro divertidíssimo.
Torço muito para que os almoços com os amigos e colegas voltem a ser seguros novamente. Enquanto isso, sigo na companhia dos livros, das quentinhas e de alguns sabiás-laranjeira das poucas árvores dos arredores.
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