“Às vezes penso que eu assisto TV.
Como o cãozinho que olha o frango rodar.
Que mais e mais saboroso de se ver.
Aguça cada vez mais meu paladar.”
Texto para ser lido ao som de “Televisão de Cachorro”, do Pato Fu.
Existe uma frase muito famosa na família Dias, propagada à exaustão por meu irmão Leonardo, que diz: “frango assado no almoço de domingo dignifica o trabalhador brasileiro”. E ele está coberto de razão.
Assíduo consumidor dessa iguaria tão simples, porém deliciosa, é fácil entender esse fascínio pelo galetinho de televisão de cachorro (alô, Pato Fu!).
Quando éramos criança e morávamos em Cravinhos, uma pequena cidade do interior de São Paulo, vizinha à Ribeirão Preto, nos almoços de domingo o franguinho assado, com casquinha crocante e peito suculento, macio, era sempre o prato principal.
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Lembro de ir até o açougue do Darci com meu pai e, perto do almoço, entrar na fila para pegar o frango, que vinha recheado com farofa, que absorvia toda a suculência e aguçava seu sabor.
Em casa, a tradição criada pela minha mãe era comê-lo acompanhado de arroz e creme de milho. Sabores que automaticamente voltam e dão água na boca só de lembrar. Em Penápolis, onde meus pais nasceram e meus avós moravam, o hábito se repetia sempre quando passávamos os feriados e férias escolares por lá.
(Frango de televisão de cachorro, espaguete ao sugo, tudo no marinex. A pessoa que gravou esse vídeo merece um Oscar)
Mas na casa da dona Mathilde, nossa saudosa avó materna, era frango assado acompanhado por, literalmente, uma bela bacia de espaguete ao sugo. Pra completar a explosão de sabor, uma tubaína na garrafa de vidro marrom, que combinava seu excesso de açúcar com o salgadinho da disputada pele torradinha do frango.
Já em Presidente Prudente, onde meus pais moram atualmente, o galeto recebeu a companhia de uma costela assada no bafo, ambos extremamente disputados no açougue perto da casa deles, no Jardim Paulista. Por lá, a regra é clara: se não encomendar, já era.
Se não buscar no horário marcado, rapidamente ele é passado pra frente e não adianta chorar, “no chicken for you!”. Mas, mesmo com a concorrência da costela bovina, o franguinho segue soberano e resolve o almoço, mantendo o legado vivo.
Quando mudamos para São Paulo, no início quem supria a vontade do frango dominical era um açougue ali na Alameda Barão de Limeira, 1111 (Campos Elíseos), chamado Moriyama Meat. Foi quando fomos apresentados ao conceito da batata bolinha como acompanhamento, algo não muito comum no faroeste paulista.
Enquanto os frangos rodam nos espetos, geralmente de cinco em cinco, as batatas ficam na base, sendo assadas com o mesmo calor da televisão de cachorro e besuntadas pela gordura que escorre dos frangos. Tempero perfeito, o famoso 100% de aproveitamento de sabor.
Mas é muito comum andar pela região central de São Paulo - Santa Cecília, Campos Elíseos, Barra Funda e Vila Buarque -, e ver os inúmeros PFs com suas próprias produções. Nos centrinhos dos bairros da capital paulista a cena se repete, seja em açougues, PFs ou padarias.
Aqui pela região, padarias como Iracema, Palmeiras, Campos Elíseos e Bella Buarque possuem suas opções, sempre com a batatinha bolinha e farofa molhadinha pra acompanhar.
Só que um frango assado é o rei da região, o “frango da Miriam”. É ela quem comanda a produção frenética da CMN Avícula (Rua Martim Francisco, 723), nome oficial que só descobri porque escrevi esse texto. Aos domingos, quem passa por ali se depara sempre com a mesma cena: uma fila que chega a virar a esquina e adentar à Rua Martinico Prado.
As pessoas aguardam pacientemente na rua para comprar a estrela do almoço de domingo. Uma organização orgânica, já que dona Miriam apenas coloca um cordão em frente a seu estabelecimento e vai atendendo o pessoal na porta mesmo, com o povo na calçada. São pelo menos três televisões de cachorro produzindo simultaneamente 30 frangos cada. É normal chegar na vez de pegar o frango, olhar pra trás e ter a impressão de que a fila não mudou. O fluxo é intenso.
Não é pra menos, ali se serve um frango assado simples, macio por dentro, bem queimadinho por fora e com tempero no ponto. Ao contrário dos concorrentes da região, acompanha apenas um potinho de vinagrete e um saquinho de farofa temperada.
Uma refeição que alimenta fácil umas três pessoas, por R$ 39,00. Se aproveitar pra fazer um arrozinho com creme de milho - especialidade da minha mãe -, ou um macarrão, para comer junto, rende o almoço e o jantar de domingo. Refeição que dá a motivação pra enfrentar mais uma semana e, como diz o ditado popular da família Dias: dignifica o trabalhador brasileiro.
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O frango da Miriam é imbatível. E a fila nem demora tanto :)