Não importa onde você vá, ela sempre vai estar presente. Talvez escondida num potinho de alumínio, originalmente fabricado para abrigar o açúcar, talvez em vidrinhos chiques, e quem sabe até tingindo de vermelho bisnagas de plástico que dividem espaço com o vinagrete da feira. Mas uma coisa é certa: todo lugar que serve comida tem a sua “pimenta da casa".
Não lembro com qual idade meu paladar começou a apreciar pimentas, mas acredito que tenha sido por volta dos 12 anos de idade, quando minha mãe liberava o fogão para os filhos prepararem as macarronadas de domingo. As iguarias ardidas que descansavam em potinhos na despensa da cozinha variavam entre malaguetas, pimentas de cheiro e calabresa em floquinhos. Era sempre tentativa, erro e alguns quilos de macarrão inutilizados.
Mas é preciso respeitar esse ingrediente surgido há 7 mil anos a.C. na região do México Central. Da única vez que resolvi desafiá-lo ao misturar três tipos de pimenta no azeite fumegante, a revolta dos ancestrais se materializou em fumaça tóxica, que trancou a minha garganta e me fez beber quase um litro de leite para voltar a viver. Ah, caso você não saiba, água não faz nem cócegas para aliviar o ardor causado pela capsaicina. O único elemento capaz de brigar com ela é a caseína do leite. Dali em diante, passei a respeitar e apreciar os mais diversos tipos e molhos de pimenta.
(Saudades desse “Ají Molido” que trouxe da Argentina. No pão ou no prato, fica um espetáculo)
E para acessar as “pimentas da casa", preciosidades que muitas vezes ficam escondidas atrás do balcão, é preciso usar uma espécie de dialeto secreto. Se você só pede pimenta em algum estabelecimento, provavelmente vai vir aquela mais barata do mercado, misturada com vinagre e sal. Quando você pede o molho de pimenta, é normal você se deparar com aquele tabasquinho metido a elegante, que quebra o galho, mas não tem personalidade. Agora, se você pede a “pimenta da casa", um novo mundo se abre. É o modo mais respeitoso de provar toda a história e alquimia armazenada em uma simples bisnaguinha de plástico, já tingida de vermelho de tanto ser reabastecida.
Como ainda estamos no meio de uma pandemia, e sigo quarentenado em casa, listei algumas das minhas “pimentas da casa” favoritas, que dá pra pedir no delivery. Usem com parcimônia, ok?
Se existisse uma categoria “pimenta de pastel", provavelmente ela se chamaria Yokoyama. Um molho salgado na medida certa e levemente ardido. Eu costumo lambuzar os pasteis e bolinhos de queijo com ela.
Já vou dar a dica logo de cara, peça ele para acompanhar o “Hambúrguer de acarajé no prato". Mas tome cuidado, o sabor desse molho é tão incrível que você esquece que ele é feito de pimenta.
O “Pebre” do meu chileno favorito de São Paulo é um espetáculo. Uma mistura gostosa de cebola, pimentas, vinagre e coentro. Sempre que peço empanadas por lá, já coloco no carrinho dois molhos desses, pra temperar o arroz e feijão da semana.
Quando pedi essa pimenta, assustei quando chegou aqui em casa. Um pote generoso, gostoso, cheiroso e ardido! Já sabe, né? Meia colherzinha de sobremesa desse molho é o suficiente para você deixar a feijuca da foto ainda mais saborosa.
Receita de família é coisa séria! E a cozinheira Priscila Jung sabe disso. A sua receita de gotchujang, pasta de pimenta coreana, é um absurdo de gostoso. Mas não é para os fracos, aqui o rolê ARDE mesmo. Está vendo só esse tequinho de pimenta na colher? É o suficiente pra fazer passarinho pensar duas vezes antes de comer pedra. Cola no Instagram dela para fazer os pedidos.
Pra quem quer fazer seu molho de pimenta em casa
Se o livro “Fermentação à Brasileira” da Cia. dos Fermentados ainda não faz parte da sua biblioteca gastronômica, corre já corrigir esse erro. Ele ensina de forma simples como fazer um molho de pimenta fermentado. Simples de tudo. Você só precisa de atenção, cuidado e paciência.
Da receita base deles, eu fiz essa maravilha da foto. Um molho fermentado com três tipos de pimenta, goiaba, maracujá e gengibre. Os 2 meses de fermentação do molho amenizou bem o ardor e realçou os outros ingredientes.