O lanche é lanche
No interior, a chapa esquenta e os molhos dançam
Cada ida para Presidente Prudente visitar meus pais traz uma certeza: se acabar nos lanches regados da cidade. Todo mundo que passou parte da vida em algum canto do interior de São Paulo sabe que hamburguerias gourmet e fast-food nunca são a primeira escolha de quem quer bater larica. São os trailers e pequenas lanchonetes locais que fazem a alegria do povo na hora de sossegar a fome.
A primeira memória que tenho de frequentar estabelecimentos como esses vem de Ribeirão Preto, no final da década de 80. McDonalds só chegou por lá em novembro de 1989 (lembro como se fosse hoje, mas fica pra outra conversa), e na ânsia de alimentar quatro crianças de forma rápida e barata, meus pais sempre paravam num trailer chamado Mau Mau Lanches, que já oferecia um combo x-burguer + batata frita + refri, no melhor estilo dos arcos dourados.
Numa recente ida à Ribeirão, em 2016, eu e meu irmão fomos atrás dessa lembrança e descobrimos que Mau Mau agora está reformulado - virou Mau Mau Burger e tem cara de hamburgueria gourmet -, mas segue entregando qualidade e sabor desde 1974.
Quando moramos em Presidente Venceslau, por exemplo, lembro de ficar em choque com um lanche que tinha o sugestivo nome de x-carroça. Era uma espécie de x-tudo do lugar, que infelizmente não me recordo o nome, mas que me perturba até hoje com a quantidade de frango cortados em cubos (mania dos lanches locais), batata palha, queijo, presunto, salada, ovo, salsicha e… hamburguer.
Na curta temporada morando em Ourinhos, descobrimos que a cidade leva tão a sério a cultura dos carrinhos e barracas de lanche, que lá existe um lanchódromo. Sem zoeira, é um espaço que lembra um drive-in americano, com vagas para o parar o carro. Mas ao invés de cobrir apenas um estabelecimento, é uma série de barracas de lanches lado a lado.
Voltando a Presidente Prudente… Lá a experiência com os lanches ganhou um outro nível. Na época de pouca grana na faculdade, no começo dos anos 2000, cada semana alguém descobria um lanche novo e barato pra dar conta das madrugadas regadas à cerveja Bavaria e Antárctica, jogatinas de Winning Eleven e Tony Hawk’s Pro Skater, no PS1 e Morphine no som.
Teve a fase do hambúrguer duplo do carrinho ao lado do Posto Select; o famigerado X-Baguncinha, ou Irmãos Ribeiro, para os menos íntimos, (onde todos os lanches vinham com calabresa, que se acumulava a noite inteira no canto da chapa); o Jardins, que persiste até hoje e é tradicional por seus sucos naturais e um delicioso Martha Rocha (homenagem à primeira Miss Brasil), lanche no pão francês recheado com contra-filé, muito queijo, cebola e batata palha... todos sempre acompanhados pela maior tradição prudentina, as bisnagas de molho.
Você pode pensar, “mas isso tem em qualquer lugar”. Ledo engano, no auge da falta de noção e fiscalização sanitária, era possível fazer um verdadeiro arco-íris de energia em cima do lanche, no que chamávamos da “dança das bisnagas”: molho verde, molho de alho, molho de azeitona, molho de milho, além das tradicionais bisnagas de ketchup, maionese e mostarda. Atualmente ainda é possível colorir seu lanche, mas a variedade diminuiu.
O Classic Lanches, que existe até hoje, foi um hit por muitos anos, justamente por, a qualquer hora da madrugada, eles entregarem seu pedido. Os mais pedidos eram os tradicionais x-salada, o x-gostoso (x-tudo deles, que enchia uma marmita de pf, daquelas de alumínio, e trazia frango, calabresa, salsicha, queijo, milho, presunto, ovo, batata palha, salada, hambúrguer, catupiry) e uma invenção infâme local: Casablanca, lanche que leva o nome da cidade marroquina, por ser servido no “pão sírio” (vai vendo!) e recheado com frango, presunto, catupiry, maionese, batata palha e milho. E pra quem não curte filé de frango, também fazem a versão dele com filé mignon… o Casapleta!!! Sério, não é zoeira.
Nesta última ida à Prudente, descobri que outro favorito não existe mais, o Sichas Lanches, que até o final de 2019, mais ou menos, era o responsável por fechar o rolê e garantir que a ressaca daria lugar a azia no dia seguinte. Nele foi criada uma tradição - que também era um teste de qualidade para novos estabelecimentos -, que consiste no x-catufrango calabresa: um colosso de sabor com muita calabresa, batata palha, filé de frango, salada, encharcado em catupiry.
E foi justamente num teste com esse clássico da família Dias, que descobrimos nossa nova paixão prudentina: o Marrocos Lanches que, apesar de não ter o Casablanca no cardápio, eles fazem se você pedir. Aliás, quase todo carrinho ou barraca de lanche de Prudente tem sua versão do Casablanca.
Conexão interior x Largo Santa Cecília
Como a viagem para Presidente Prudente é longa, o jeito foi encontrar uma forma de matar a saudade de um lanche típico do interior aqui mesmo em São Paulo. Sei que existem casas mega tradicionais que fogem da gourmetização, como o Hobby Hamburguer (Perdizes), Seu Oswaldo (Ipiranga), Osnir (Vila Mariana), só pra citar algumas, mas aqui o assunto é outro. Aliás, cada um desses locais merece e terá seu capítulo à parte aqui no Coifa.
Mas o que mais se assemelha a um belo lanche do interior está localizado no Largo Santa Cecília, mais precisamente na Rua Frederico Abranches, 229. Uma kombi que por muito tempo só tinha o escrito MacLanches - que até hoje chamamos de “Marcelinho” ou “Marceleza”, não me pergunte porquê -, e que agora atende por Márcio Lanches.
Até a variedade de molhos próprios você encontra por lá, além do molho verde e de alho (que também traz uma versão apimentada), eles possuem bisnagas de molho de churrasco (maionese feita com fumaça líquida), e uma maionese caseira. Na dúvida do que pedir, entre o tradicional dogão prensado e muitos “xises”, os Dias te ajudam: x-burguer artesanal + calabresa + batata palha, um customizado de respeito; e o big cheese bacon + egg, pra uma larica, digamos, mais nervosa.
O Coifa é um boletim com histórias de cozinha. Curtiu o Coifa? Assine e indique pros amigos :)
Por aqui em Cuiabá, o McDonalds chegou só em 1998 (dia 15 de outubro para ser mais exato).
Por mais que as hamburguerias clássicas tenham todas fechado, aqui se consagrou o "baguncinha" que era um x-bagunça pequeno que lá no início dos anos 2000 custava apenas um real nas barraquinhas de rua dos bairros.
Ultimamente por aqui, se consagrou um lanche chamado de "paulistinha" cujo original é um lanche no pão francês com filé, muçarela, requeijão e cebola. Tem uma rede de deliveries que já abriu até no interior de São Paulo (quase uma vingança da linguiça cuiabana hahahaha).
Me fez lembrar do primeiro XTUDO no prato que experimentei em Paraguaçu Paulista, essa paulistana criada com Bobs e Mc donalds ficou paralisada olhando para o lanche! hehehe, tive que dividir