Eu já comentei aqui que tive a sorte de ter nascido em uma família de bons de garfo. É abrir uma tubaína geladinha, e o cheiro já me transporta para as macarronadas de domingo na casa da minha finada avó.
Outra sorte foi ter pais que eram funcionários públicos, trabalhavam no Banco do Brasil e no Banespa. E ser filho de bancários nos anos 90, significava mudar de cidade a cada 3 ou 4 anos. Resultado: morei em mais de 8 cidades do interior de São Paulo antes de fixar residência aqui na capital.
Em meio a tantas mudanças, algumas lembranças ficaram impregnadas na memória e no olfato. Ribeirão Preto, por exemplo, pra mim tem cheiro de rosquinhas da Mabel. Na época, início da década de 90, a fábrica ficava à beira da Rodovia Castelo Branco, e o cheiro dos biscoitos era o cartão de visitas para quem chegava na cidade.
E o que falar da apelação que eram as tardes em Ourinhos? Numa cidade rodeada por canaviais e usinas, onde o cheiro da vinhaça - subproduto pastoso do etanol que é utilizado in natura pelas usinas como fertilizante natural do solo - impregnava os ares a cada entressafra, a salvação do olfato eram as fornadas vespertinas de casquinhas de sorvete da fábrica da Marvi.
Em Presidente Prudente, as lembranças sempre remetem ao cheiro de churrasco. Culpa da Churrascaria Guaíba, que ficava a poucos metros do apartamento em que morei nos primeiros anos da faculdade de jornalismo. O aroma das carnes sendo preparadas era diário, e começava por volta das 9h. Depois de um tempo, você até conseguia identificar a hora em que a costela ia pro bafo ou quando o alho era pincelado na picanha.
Quando me mudei para capital, em 2005, as esquinas da cidade tinham cheiro de yakissoba e milho cozido. Por culpa da fiscalização e regulamentação nos anos seguintes, elas foram sumindo e, atualmente, sobraram apenas os carrinhos de milho em frente aos shoppings e alguns pipoqueiros aqui ou acolá.
E quem vive e sobrevive diariamente na capital, acaba ficando traumatizado pelo cheiro horroroso dos Rios Pinheiros e Tietê, que competem com o cheiro de chulé de pão de queijo a granel dos quiosques das estações de metrô.
Mas, por culpa de uma greve geral do transporte público, tudo mudou. Sem grana pra bancar táxi, resolvi desafiar os 7km que separavam a minha casa até o trabalho, e fui caminhando por mais de uma hora. Aí, todo um mundo novo se revelou.
Saia de casa sempre no mesmo horário, por volta das 8h. O trajeto começava com o cheiro do café coado e pão na chapa dos botecos. Na porta das estações, as tias com suas barraquinhas de bolo caseiro eram sempre uma perdição.
E as descobertas pelo caminho que só o andar a pé te possibilita? Descendo a Rua Alvorada, no bairro da Vila Olímpia, só descobri que a fábrica da Nut Biscoitos Artesanais Italianos existia graças ao cheiro das fornadas de biscoitos amanteigados, assados entre 9h30 e 10h.
Já nas poucas casas remanescentes ali no bairro de Moema, uma senhorinha sempre preparava aquele feijão temperadinho por volta das 9h30. O cheiro de alho, cebola e folhas de louro era uma perdição.
Andar pela cidade sempre no mesmo horário da manhã permite você criar um "calendário sensorial" de dias úteis na sua cabeça. Cheiro de virado à paulista? Segunda-feira, claro. As terças-feiras são uma confusão. O cheiro do molho de tomate toma conta dos quarteirões, mas é preciso chegar mais próximo do boteco, ouvir o apito das panelas de pressão para ter certeza se é dia do bife à rolê ou se algum ingrato resolveu adiantar a macarronada servida sempre às quintas-feiras.
As quartas-feiras, minha gente, não tem segredo, é dia de feijoada. E também é o dia de você desencanar do pão na chapa, já que a mesma estará sempre tomada por fileiras fumegantes de cumbucas marrons, que cozinham lentamente os ingredientes até a hora do almoço.
Agora, sexta-feira é dia de você testemunhar o pessoal tomando café da manhã nas mesas das calçadas: culpa do preparo do peixe frito com molho de camarão que impregna o salão.
Você não precisa encarar essa minha maratona para descobrir os cheiros deliciosos que se escondem nos bairros da capital, mas da próxima vez que você precisar pegar um busão ou metrô pro trabalho, desça na metade do caminho e vá se embrenhando pelas ruas. Você vai descobrir muita coisa boa.
O Coifa é um boletim com histórias de cozinha. Curtiu o Coifa? Assine e indique pros amigos :)
o cheiro de pão de queijo ruim do metrô, bicho. é um trauma que também carrego.