Minha primeira memória da culinária italiana foi conquistada graças à minha avó materna e sua inseparável e surrada bacia de zinco.
Lembro de testemunhar ela preparando sabão em barra nas bacias durante a semana, usando a mesma para deixar as roupas de molho aos sábados, e aos domingos as recheando com quilos de macarronada.
(E a vontade de comprar uma bacia dessas, como fica?)
Pensando bem, a bacia da Dona Matilde era uma espécie de amuleto da paz, evitando as tretas óbvias de várias famílias reunidas ao redor de uma mesa. Enquanto houvesse macarrão, tubaína e queijo ralado, nenhuma desavença familiar sequer ousava dar o ar da graça.
Durante muitos anos da minha vida esse foi o mais italiano dos meus momentos culinários. Morar no interior de São Paulo era isso: almoços em família aos domingos, ir em uma ou outra “cantina italiana” caricata ao extremo ou nos festivais mistos, as tais Festas das Nações, onde a barraquinha de comida italiana dividia espaço com sushis e joelhos de porco.
Mas o contato com a bacia de zinco repleta de macarrão já havia cumprido o seu papel: plantar a semente da gula, da vontade de explorar a culinária regional italiana.
Obrigado, Cantina Gigio.
(Nhoque do Gigio, pessoal. Gratinado então, fica de outro mundo)
Quando me mudei pra São Paulo, meu primeiro emprego como jornalista foi na Revista Trip. E por sorte, os amigos de redação eram frequentadores assíduos da Cantina Gigio, ali na Rua dos Pinheiros.
Após esses almoços, a vontade de explorar o máximo de restaurantes italianos da cidade foi inevitável. Bixiga, Mooca, Brás e Bela Vista eram locais obrigatórios em busca de cantinas, padarias e "ristorantes”. Em muitos deles, lá estavam os secos e molhados armazenados carinhosamente em bacias. Lembrar da Dona Matilde ali era inevitável, o almoço que virava um abraço.
Nesses 16 anos morando na capital, foram inúmeras as receitas que já provei nos ristorantes e cantinas. E, tão gostoso quanto devorar um raviolão recheado com ricota fresca é correr partilhar essa descoberta com os amigos. Inevitavelmente você vai receber uma dica de outro restaurante em troca, emendar uma conversa, aumentar o seu repertório.
Separar uma “lista de lugares para uma boa refeição italiana na cidade de São Paulo” é injusto demais por um motivo bem simples: a culinária regional italiana é praticamente infinita.
Portanto, os lugares abaixo são os que tenho um carinho especial, seja pela receita ou pelo rolê:
Cantina Gigio - Dispensa apresentações. Tudo ali é bom, abundante e gostoso. O meu favorito é o nhoque ao molho de tomate, gratinado, acompanhado de torradas com alho e o antepasto de berinjela. A unidade de Pinheiros foi onde estreei, mas para um imersão completa no universo gigiano, recomendo ir na sede, lá na região do Brás.
Massaria Trilha do Trigo: um achado ali no bairro da Vila Olímpia. A fome já começa na espera, enquanto você vê as massas frescas sendo preparadas na vitrine da cozinha. Eu gosto muito do espagueti e os raviolis recheados. Até teentei ir presencialmente uma vez, mas a lotação ali é quase sempre certa. Mato minha vontade no delivery deles.
Osteria Generale: salão entupido de mesas ornamentadas com pães pulando da cestinha, camisas de times de futebol forrando o teto, aquele caos gostoso. Mas o que me conquistou na cantina da rua Pamplona foi o RAVIOLÃO. Ocupa meio prato, em harmonia com o molho de tomate. É dar uma garfada para o queijo ir se espalhando aos poucos, assim como a lava de um vulcão.
Catzo Boteco Italiano: encravado no pé da escadaria do Bixiga, esse boteco italiano virou um dos meus locais favoritos da cidade. No pré pandemia, era parada obrigatória para descansar os pés, beber um bom vinho enquanta observava o movimento das feirinhas recorrentes ali na praça Dom Orione.
Primo Pastifício: quando a primeira unidade abriu ali no bairro de Pinheiros, foi um auê danado. Almoçar a preço justo nos banquinhos ou balcões da calçada, enquanto observava dividia a atenção entre a fábrica de massas frescas e o movimento da rua, ainda era novidade na região.
Festa da Nossa Senhora da Achiropita: a mais tradicional das festas italianas do Brasil é tudo o que você precisa no mês de agosto aqui na cidade. Barracas a perder de vista, muita gente na rua, banda no palco entoando sucessos italianos para uma plateia devidamente acomodada em mesinhas de plástico cobertas com toalha xadrez. Tudo junto, misturado e muito bem temperado. Eu sempre fujo da quilométrica fila da fogazzia, prefiro partir logo pro ritual espaguete, molho e pão para secar o prato.
(Não adianta negar, você já dançou ao som da Via Roma que eu sei!)
Festa Italiana de São Caetano do Sul: também no mês de agosto, essa festa conquistou por vários motivos, especialmente o clima de quermesse do interior. Deve ser a arquitetura ali da Praça Comendador Ermelino Matarazzo e arredores, que ganha um ar diferente quando a banda Via Roma começa a tocar. Outro motivo é sua organização: cada umas barracas representa um prato típico de uma região da Itália.
Mistura tudo, fica gostoso
Enquanto a oportunidade de passar uma temporada na Itália não vem, eu sigo colecionando cidades, locais e pratos pescados um a um em séries, filmes e livros. E é disso que vou falar aqui.
Foi zapeando a prateleira de séries gastronômicas da Netflix que encontrei esse documentário delicioso: E il El Cibo Va (Food on the Go).
O ponto central dessa produção entre Itália e Argentina é tentar responder à pergunta: o que é uma autêntica comida italiana? Para isso, chefes de cozinha, historiadores e antropólogos mergulham na história da imigração italiana na Argentina e Estados Unidos (especialmente em Nova York). A influência italiana na culinária argentina é uma delícia, a novaiorquina então, nem se fala. É papel e caneta na mão para não tentar anotar todos os livros, restaurantes e receitas que são mostrados na série.
Esse livro apareceu no documentário acima e foi amor à primeira vista. Encomendei esse tijolão na Amazon, e valeu cada centavo investido. São mais de 2 mil receitas regionais, alguma delas ilustradas, mas todas muito bem explicadas. Tem antepasto, carnes, aves, peixes, massas, sobremesas e ensopados, meu capítulo favorito. A receita de sopa de macarrão com grão de bico virou a favorita nos dias frios aqui em casa.
Eu não lembro como foi que cheguei nesse canal do Youtube, acho que foi durante a pesquisa de modo de preparo de algumas receitas do Silver Spoon, só sei que fui fisgado, dragado, adotado pelas Nonnas do Pasta Grannies.
E para finalizar, separei aqui uma playlist caprichada e muito bem pesquisada de disco music italiana. Para você preparar aquela pasta fresca no fim de semana, enquanto degusta uma taça ou duas de vinho.
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