Café da tarde
Mais do que um lanchinho para enganar a fome, essa refeição é um momento pra lá de especial
Não importa se você fez uma excelente refeição no café da manhã ou se o almoço foi daqueles que causam sonolência de tanto comer, é o relógio chegar perto das 16h para estômago começar a roncar pedindo por ele, o café da tarde.
As explicações sobre a origem dessa refeição são tão fartas quanto essa mesa que o artista espanhol Luis Meléndez pintou em meados de 1772. Uns dizem que o hábito do café da tarde surgiu por aqui no século XVII, com o café colonial. Outros dizem que a culpa, na verdade, foi de uma elite que, deslumbrada em importar hábitos europeus, tratou logo de adaptar o Chá das Cinco inglês. O fato é que todo mundo tem uma relação especial com essa refeição.
Na casa dos meus pais, o café da tarde muitas vezes coincidia com a fornada de pão quentinho que meu pai fazia questão de trazer da padaria. Era sempre acompanhado de café transbordando açúcar. Quando minha avó estava em casa, bolinhos de chuva e torta salgada de liquidificador eram frequentes. Agora, se tivesse visita, aí era aquela mesa posta digna de buffet de hotel.
Quando me mudei aqui para São Paulo, morei durante um ano na casa da minha tia, na Zona Sul, ali na região da Vila Canaã, quase Cidade Ademar. A rotina de freelas muitas vezes incluía pegar o máximo possível de transcrições intermináveis de entrevistas, tarefa essa que era interrompida pela minha tia cutucando o meu ombro e falando “tira esse fone aí, vem comer. Tem café quentinho e chipa”.
Para quem não sabe, chipa é aquele “pão de queijo em formato de ferradura” que você encontra nos mercados. É uma iguaria paraguaia, e sua diferença para o nosso pão de queijo vai além do formato. Os ingredientes de ambos são quase os mesmos, mas enquanto a chipa é mais sequinha, pois leva água fria no preparo, o pão de queijo é mais elástico, culpa da água quente no polvilho.
Durante os anos seguintes, procurei manter a rotina do café da tarde em algum estabelecimento próximo de onde estava trabalhando.
Um dos meus lugares preferidos era o Restaurante Aldeia, localizado na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 4737, esquina com a Rua Henrique Martins, próximo ao Hotel Unique. A pedida era um café coado com leite acompanhado de um enroladinho de presunto e queijo assado no forno à lenha.
Já morando no bairro da Vila Clementino, zona sul de São Paulo (SP), quando a pandemia colocou todo mundo para dentro casa, o maior desafio foi encontrar uma padaria que entregasse um bom pão francês.
Após várias tentativas frustradas em padarias grandes e famosas do bairro, um pedido sem muitas pretensões, para curar uma ressaca no domingo pela manhã, foi a salvação. Quatro pães franceses e um risoles de queijo foram o suficiente para eu virar fã da EFM Pizzaria e Padaria, localizada na R. Paracatu, 406, Vila da Saúde. Pensa num pão com casquinha crocante, daqueles que fazem a faca de serra cantar lindamente enquanto parte o pão ao meio.
Ah, e claro que não poderia deixar de citar três lugares obrigatórios ali do bairro para um café da tarde. Chamo eles carinhosamente de trinca da Rua Luis Góis:
Pé de Minas: uma daqueles clássicos empórios de produtos mineiros, com tachos de doce dividindo espaço com cachaças e pimentas. Mas esse é o único lugar do bairro que você consegue comprar dois pães de queijo (bem bons, por sinal) e um café coado por menos de 10 reais. | Onde: Rua Luís Góis, 1019
Moti Moti Cakeshop: doces e salgados orientais, produzidos ali mesmo e saborosos demais. Meus favoritos são os pães salgados de milho e o Kari Kari (macarrão de arroz assado) de wasabi. | Onde: Rua Luís Góis, 1196.
Doceria Marrom Glacê: sabe aquele bolo cremoso de milho coberto de açúcar de confeiteiro? Bolo gelado? Suspiro? É só ir nessa doceria, uma das mais antigas e tradicionais do bairro. | Onde: Rua Luís Góis, 1245
Agora, vivendo aqui no centro da cidade, na Vila Buarque, fica um pouco difícil eleger o melhor lugar para matar a fome. Em meio às diversas micro-padarias e cafés do bairro, um pequeno quitute francês ganhou destaque na larica da tarde: o canelé.
Conhecido originalmente como Canelé de Bordeaux, esse pequeno bolo doce, de casquinha escura caramelizada e interior fofinho, agora se faz presente em quase toda cafeteria e doceria aqui do centro. Os da Assaz Orgânica, ali na R. Maj. Sertório, 234, são os mais disputados. É preciso encostar na janelinha de vidro na parte da manhã, caso você queira a sobremesa para o café da tarde.
Mas, caso você falhe nessa missão, é só andar um pouco mais até o Edifício Copan e colar na cafeteria Tem Umami!. Ali você encontra excelentes canelés que vão desde os tradicionais até versões recheadas com cupuaçu e goiabada cascão.
E já que o assunto é sobremesa, bem em frente de casa tem o pequeno e aconchegante Macabea Café, na Rua Jesuíno Pascoal, 36, que serve uma maravilha chamada “Mané Pelado”, um bolo feito de mandioca, coco ralado fresco e queijo meia cura. Em dias de home de office, é atravessar a rua, pegar uma fatia de bolo e um café quentinho.
E por aí? O que vocês andam comendo no café da tarde?
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