Gosto muito de cadernos, ou melhor, de cacarecos de papelarias em geral. Não importa se é uma Kalunga, uma lojinha de bairro ou uma Livraria da Villa, é passar em frente, e lá estou eu, perdido entre cadernos, canetas, blocos de anotações, post-its e outras coisas que, na minha imaginação, vão ser extremamente úteis para anotar receitas, ideias e rascunhos desse boletim.
Acredito que esse encantamento por papelaria tem uma relação muito forte com as cozinhas das casas onde morei, e também nas de familiares que frequentei. Em algum lugar havia sempre uma gaveta abarrotada de cadernos aramados, alguns novos, outros já caindo aos pedaços, mas todos preenchidos com receitas escritas com canetas de todas as cores, estilos e épocas.
Se algum caderno já estava todo esfrangalhado, minha mãe comprava um novo e passava horas e mais horas passando tudo a limpo. E eu sempre corria ajudar, pelo simples prazer de preencher um caderno novinho, e fazer valer as aulas de caligrafia. E o que falar das gavetas da cozinha abarrotadas de cadernos e brochuras? Cada vez que você se arriscava a mexer nelas em busca de alguma receita, era tipo brincar de “pega varetas": você ia com todo cuidado, retirava um caderninho com movimentos calculados, evitando um colapso.
Mesmo com o smartphone disponível o tempo todo, meus pais sempre consultam algum caderninho. Quando minha mãe ia pra cozinha, a receita que frequentemente saía era do clássico bolo de pão de forma, maionese, cenoura e batata palha. Às vezes ele era decorado com alguma florzinha feita tomate cereja ou azeitonas.
Já meu pai sempre se gabava de preparar os rocamboles salgados apenas lembrando a a receita de cabeça. Mas não foram poucas as vezes em que o flagrei com o caderno Tilibra de 10 matérias, surfista na capa todo sujo de farinha de trigo, repousando ao lado dos panos de prato, enquanto dava uma espiadela para “tirar dúvidas sobre o ponto da massa”.
Outro clássico que saía de alguns dos brochuras surrados da cozinha da casa dos meus pais era um fricassê de frango, devidamente turbinado com muito requeijão, molho de tomate, catupiry e batata palha e apelidado carinhosamente de “Frango da Hora”. Não dava tempo nem do marinex parar de borbulhar, o prato enchia e o céu da boca queimava com as garfadas apressadas.
Revisitar a caligrafia de um caderno de receitas é uma maneira de matar a saudade, seja dos bons momentos ou de algum familiar. Mesmo que você não conheça o dono do mesmo, é impossível não ficar intrigado com alguma anotação, ou até mesmo imaginar se a pessoa estava com pressa ou não na hora de colocar a caligrafia à prova.
O único caderno de receitas que tenho aqui em São Paulo é o da “Batian", a avó da minha esposa. Quando releio as receitas, lembro dela explicando cada um dos pratos preparados nos almoços de fins de semana e do jeito dela de falar.
Aliás, se você quer colocar a imaginação para funcionar, dá uma olhada nas postagens de livros de receitas que o SAL (sobre alimentos e literaturas), grupo de pesquisa da Faculdade de Leetras da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), têm feito em seu perfil no Instagram. No cantinho de uma das receitas (foto), uma anotação à lápis “gosto deste” é aquele tempero que te convence de que o bolo realmente é bom!
Ah, e você quer uma dica? Mesmo que você encontre a sua receita favorita na internet, compre um caderno, uma caneta esfereográfica, e se dedique a transcrever a sua receita neles. Em algum momento da vida, alguém vai lembrar de você quando estiver fazendo um saboroso bolo de fubá ou cenoura.
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